dezembro 26, 2007

Mais um pouquinho de SEMLER para refletir antes da chegada de 2008

"Se ganhar dinheiro não garante a felicidade, o que garante? Certamente uma vida afetiva equilibrada, qualidade de vida sob controle e um trabalho desafiante resultam numa equação que aumenta a chance de serenidade e saúde. O curioso é que as empresas acham que tudo isso é baboseira, ou questão que só diz respeito ao empregado.

"Vida afetiva equilibrada depende de ter tempo para a família. Se a empresa diz que a sede fica em tal endereço e o empregado que se vire para chegar lá, praticamente matou a chance de sobrar tempo para a família. É a empresa que condena o empregado a três horas por dia no trânsito, achando que não é problema seu.


"Mesmo nas fábricas, o conceito de fazer algo gigante, tudo no mesmo lugar, carece de criatividade e segue o raciocínio - muitas vezes furado - de economia de escala. Como não sabemos medir desinteresse, efeito da rotina, sensação de ser apenas uma pecinha numa grande engrenagem, assume-se que isso não importa. Depois, quando uma situação resulta em índices preocupantes de quebra de máquinas, greves inesperadas e baixa produtividade, os engenheiros que bolaram a fábrica-maravilha se voltam contra a natureza humana.


"A busca de condições de felicidade é, ao contrário do que parece, uma das grandes tarefas das organizações no futuro. Achar que apenas o produto ou serviço darão conta é esquecer que a grande concorrência de preço se dá porque o cliente não enxerga diferença na qualidade. Fazendo com que levantem da cama na segunda-feira sem exclamações de 'que saco, benhê, preciso ir pra firma', faz toda a diferença no sucesso de uma organização. Não é preciso muito mais que isso.



A importância do ócio


"Somente a inatividade é capaz de levar à reflexão, como já dizia Aristóteles. Cadê a inatividade? Certa vez o Domenico de Masi foi almoçar lá em casa e eu resolvi testar quanto tempo dele e meu era dedicado ao ócio. Chegamos a uma quantidade irrisória de horas. Eu era cheio de projetos, ele cheio de aulas, festival de Ravenna, conselho de cidade na costa Amalfitana, programa em Gênova, livros e artigos para escrever, aviões para tomar. Sabemos, os dois, o valor do ócio - só não sabemos ser ociosos.


"O mesmo ocorre com o estresse. Nada mais é do que a decalagem, o delta, entre o realizado e o esperado. Ou seja, a expectativa, não cumprida, é a única coisa que gera estresse. Seja estar no trânsito, atrasado para uma reunião, seja ter 41 anos e querer ser mãe, seja ver que o vizinho vai sair para um apartamento melhor, seja um projeto de sonho que não se concretizou.


"Quando penso sobre o que será luxo no futuro, percebo que compras, carros e eletrodomésticos serão cada vez menos gratificantes. O passar das décadas reduzirá o valor de grifes e símbolos de status. No seu lugar, virão os artigos de verdadeiro luxo, como silêncio, tempo para pensar na vida, um ambiente saudável ou 35 minutos a mais na cama. Queremos que nossos funcionários tenham tudo isso. Nada é mais luxuoso do que poder aposentar o despertador ou ficar 35 minutos a mais na cama com preguiça ou pegar o filhinho na cama, abraçar, e virarem os dois para o outro lado. A empresa moderna tem que se preocupar em dar acesso a esses luxos. As organizações que acham que dando um dinheiro a mais resolvem a questão estão redondamente enganadas.


"A isso se junta a dificuldade crescente de reforçar a democracia. Não só os Bushes da vida, que passam tratores por cima dos direitos humanos, mas mesmo as empresas. Claro, não conheço qualquer empresa democrática, mas há aspectos mais vitais. Com a globalização, a importância de empresas é maior do que a de muitos países. A Cargill ou a Microsoft são muito maiores, em PIB, do que muitos países de onde compram mão-de-obra. Se fizéssemos um exercício que juntasse empresas e países numa lista única dos 100 mais do globo, em receita em dinheiro, 61 seriam empresas e apenas 39 seriam países. Baseado nisso, e considerando que empresas não são democráticas, poder-se-ia argumentar que a democracia está diminuindo ao invés de aumentando. Considerando a importância crescente da China, esse temor aumenta.


"Além disso, a qualidade de vida tem se deteriorado. Não só porque o aumento da miséria é inexorável ano a ano, mas também o que se pode comprar. Há um dado curioso que ilustra o fato. Um grupo de pesquisadores resolveu pegar a totalidade de eletrodomésticos e parafernália, além de eletricidade, hidráulica e telefone e calcular quantos escravos, na antiga Grécia, seriam necessários para executar o mesmo serviço numa casa de classe média. A resposta foi 61 escravos. Mas a qualidade de vida da classe média, medida pela Universidade de Yale, deteriorou 51% desde os anos 50.


"Imaginou-se que a queda do muro de Berlim levaria a uma era de prosperidade e liberdade. Hoje, precisa-se usar o dedão cada vez mais para entrar em países, conseguir documentos, abrir portas. Logo não entraremos em prédios sem identificar a íris. O mais divertido é que os mecanismos comunistas, que tanto se lutou para erradicar, estão vivos e atuantes nas empresas: planejamento qüinqüenal, nenhum direito de escolha dos líderes, falta de democracia nas decisões, distinção clara entre intelligentsia e camponeses (presidentes ganham 152 vezes mais do que operários) e monitoramento à moda KGB dos funcionários, com regras rígidas para cada movimento.


"É por tudo isso que precisamos pensar em tudo, do zero. Melhorias marginais não são suficientes. Não haveria um setor que não se beneficiasse disso. Por isso acabo mexendo em empresas, grupos de discussão, escolas e mesmo cidades, revirando tudo.



O que vem por aí

"A verdade é que vivemos uma era empolgante. Vem muita coisa por aí, temos apenas de estar posicionados e de mente aberta para aproveitar. A organização do trabalho, especialmente, vai passar por transformações quânticas. Qual a arquitetura dos locais de trabalho que promete vir por aí? E das escolas, governos e cidades?


"Pegue-se apenas a questão da longevidade. Não é só o Aposente-se Um Pouco que pode lidar com isso. Num congresso de genética na CalTech, faculdade de tecnologia da Universidade da Califórnia, fiquei conversando, depois da palestra, com geneticistas do Human Genome Project sobre um dado chocante que apresentaram lá. Um deles perguntou quantos anos meu filho tinha. Ele repetiu que, baseado nessa idade e num poder aquisitivo de classe média, um filho como o meu - baseado apenas em técnicas de retardamento de envelhecimento de células que já existem - deverá viver até uma idade entre 110 e 130 anos.


"Isso abre questões de futuro que as organizações nem sonham. Uma delas diz respeito à carreira. Se ele viver tudo isso, por que haveria de escolher uma carreira única? Daria tempo para estudar 25 anos, ter uma carreira completa de um quarto de século como médico, voltar para a faculdade, viver uma carreira inteira como arquiteto, voltar novamente à universidade, estudar advocacia e praticar durante 25 anos. Ainda lhe sobraria uma década de aposentadoria.


"Com esta perspectiva, o que me motiva é pensar em maneiras de incorporar mudanças previsíveis, burrices existentes - e revirar tudo. De parar para pensar por quê, três vezes, quando me explicam algo. O mundo está aí para ser adaptado. Espero que este livro tenha semeado algumas dúvidas sobre o que fazemos e por que fazemos. Meu desejo sincero é que se consiga acabar o livro e decidir mudar algo. Se todos mudarem um pouquinho, logo teremos uma sensação de esperança, que é o que move a humanidade.


"Da minha rede na praia, onde escrevo essas palavras, desejo que esses casos e pensamentos vagos tenham sido de algum proveito. Enquanto isso, talvez um pouco de silêncio, ou virar-se para dormir mais 35 minutos, antes de usar os três porquês contra tudo e todos. Se todos usarmos, e estivermos dispostos a revirar tudo um pouco, as nossas vidas serão muito mais agradáveis. É o que espero e sinto. Saravá!"

SEMLER, Ricardo. Você está louco! Uma vida administrada de outra forma - Rio de Janeiro: Rocco, 2006, pag 252-255.

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