novembro 05, 2007

Você está louco!


"O que será um marco real, um impacto duradouro que valha uma carreira inteira? O empresário se vê muito passivo em relação às mudanças da sociedade como um todo. É reativo e nunca agente de mudança social. O que é uma pena e desnecessário. É por isso que os sindicatos foram agentes de progresso, enquanto os empresários foram os czares Nicolai e os reis Sol da história, resistindo ao avanço da plebe em seus palácios fortificados. Quase sempre isso termina com a oferta de brioches às multidões.

"Os brioches têm vindo em forma de consciência ambiental, com educação, responsabilidade social e inúmeras outras pseudopreocupações. As empresas brincam disso quando necessário e os marqueteiros são rápidos em incorporar esses conceitos de modo superficial, sem qualquer interesse mais profundo nas questões. Brioches mornos.

"Em 1993, falei na abertura do primeiro congresso de responsabilidade social, em Amsterdã. Disse, na época, que via as empresas adotando o clichê, mas não mudando o cerne de suas posturas, e convidei a turma de empresários conscientes que lá estavam - cerca de 300 deles, liderados por gente como a Anita Roddick, da Body Shop, o Ben Cohen, da Ben & Jerry's, e o fundador da marca Patagonia - a considerar se o efeito final de um movimento desses valeria a pena ou se, como achava que aconteceria com eles mesmos, as empresas globais abocanhariam tudo, tal qual um tubarão-martelo em alto-mar.

"Com o tempo, a Ben & Jerry's, a Body Shop e a Patagonia foram vendidas para multinacionais e a responsabilidade social virou adesivinho de boné de empresa.

"Decantando essa experiência, começamos, na Semco - no C Tá Loko!, claro -, a pensar em programas que poderiam colocar a empresa como alavanca de mudança. Pensamos a fundo na questão do ciclo de vida e de trabalho e achamos um formato tolo que rege as nossas vidas.

"Passamos cerca de um terço (no mínimo, um quarto) da vida estudando. Depois, um pouco mais de um terço (nunca mais do que metade) trabalhando, e, por fim - com o aumento de longevidade - um quarto da vida aposentados.

"Se sobrepusermos, num gráfico, o ciclo de tempo livre, riqueza e saúde, temos um dos demonstrativos mais cabais da estupidez do sistema. Não é por acaso que o sistema de seguridade e saúde de quase todos os países está quebrado.

"O gráfico mostra um ciclo parecido com o de um sino, quando lida com riqueza. Tem-se pouco dinheiro, depois o teto durante o auge do trabalho, e depois, no fim da vida, pouco novamente. O quadro de tempo disponível é um 'U'. Tem-se muito tempo na infância - mesmo com a escola -, depois cada vez menos e, depois da aposentadoria, tempo demais.

"Por último, a linha da saúde é um decrescente absoluto, descendo linearmente até a concordata e, depois, falência do corpo.

"Se fizermos a sobreposição dos três gráficos, veremos que temos dinheiro quando não temos tempo para usufruí-lo, tempo quando não temos mais dinheiro seguro, e a possibilidade de gozar da natureza e dos esportes quando não temos mais saúde para tanto. Conseguirá alguém bolar uma maneira menos inteligente de distribuir a vida?"

SEMLER, Ricardo. Você está louco! Uma vida administrada de outra forma - Rio de Janeiro: Rocco, 2006, pag 153-154.

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